Aspectos históricos, sociais e éticos
Indígena Aranã. Foto retirada na zona rural de Araçuaí |
Os Aranã são compostos por dois grandes grupos familiares, a família Caboclo e a família Índio. As duas famílias participaram ativamente do processo de reivindicação pelo reconhecimento oficial, como também da construção da idéia de Povo Aranã. Nos próximos capítulos, apontarei como a noção de Povo Aranã funcionou como cimento social para unir esses dois grupos familiares que já compartilhavam várias similaridades. No entanto, as disputas por legitimidade sobre o discurso nativo foram tão grandes, que a própria noção de Povo Aranã se modificou. Dentro do grupo, existem dois grupos distintos, os Índio e os Caboclo. Utilizo o itálico nesses termos para diferenciá-los de família Caboclo e família Índio. Um Caboclo não é necessariamente um Caboclo, como um Índio não é necessariamente um Índio. Índio e Caboclo são posições políticas que um Índio e Caboclo toma frente às disputas internas dos Aranã. O eixo principal da disputa entre os dois se encontra em qual seria o antepassado por onde se traça uma descendência indígena. O peculiar do caso Aranã é que os dois grupos, os Índio e Caboclo compartilham o mesmo mito fundador, porém a referência ancestral é distinta. Outra peculiaridade é que os Índio não negam a indignidade dos Caboclo, mas dizem que eles são outra raça de índios. O que os Índio não aceitam é, simplesmente, o fato dos Caboclo se auto-intitularem Aranã. O conceito de indignidade se refere à identidade construída a partir da incorporação de ideias, opiniões e avaliações de agentes externos. Mais do que signos externos, a indignidade depende de um sentimento de pertencimento, um “modo de ser” que, todavia, não é fixo. É nesse sentido que uso o temor indignidade e acho que, assim, seja possível compreender melhor como os Aranã – Índio e Caboclo , vivem e se vêm como indígenas. A historiografia oficial aponta para a extinção do povo Aranã ainda no século XIX. Contudo, o grupo Aranã contemporâneo remonta sua história a partir de um ancestral -Manoel Índio (também referido como Manoel Caboclo), que foi, segundo a memória oral de seus descendentes, um dos indígenas aldeados em Itambacuri, região do Vale do Rio Mucuri, Minas Gerais. Em pesquisa nos arquivos do aldeamento capuchinho de Nossa Senhora da Conceição de Itambacuri, a antropóloga Izabel Missagia Mattos localizou registro de Manoel Índio de Souza, identificado como índio Aranã, subgrupo dos famosos Botucudo.
Concelho indigenista, área rural de Araçuaí |
De acordo com sua memória oral, o principal ancestral dos Aranã contemporâneos, Manoel Índio ou Manoel Caboclo, teria sido "adquirido" por um grande fazendeiro da região do médio Jequitinhonha e residido na pequena cidade de Virgem da Lapa, onde ficou conhecido por exercer a atividade de tropeiro. Para os Aranã, Manoel estabelece o elo de ligação histórica entre a "vida no mato" e a "vida nas cidades" do seu povo. Segundo o Senhor Jumá Índio, neto de Manoel, seu avô foi "pego no mato", na região de Itambacuri, já adulto. A imagem de Manoel Índio é associada, pelos Aranã, à imagem de "índio bravo", "índio do mato". Todavia, capturado e levado para o aldeamento de Itambacuri e depois para trabalhar para a família Murta, Manoel teria vivido grande parte de sua vida distante de seu povo e sob regime de trabalho escravo, na região da cidade de Virgem da Lapa.
Vítima de um processo de desenraizamento imposto, Manoel teria se casado com Isabel, que, segundo a memória oral aranã, seria também indígena de Itambacuri. Segundo o Senhor Jumá, Manoel e Isabel teriam tido três filhos, sendo o caçula, Pedro Inácio Figueiredo, o patriarca dos atuais Aranã do Vale do Jequitinhonha. Jumá diz não ter conhecido os irmãos de seu pai, apesar de saber que eles viveram em Virgem da Lapa, tornando-se conhecidos na região pelo apelido de "Boquinha" ou "Boquim", expressão advinda provavelmente da palavra caboclo, e pela qual era conhecido inclusive Manoel.
Língua
Eles falam o Português. Os Aranã falavam uma língua pertencente ao tronco Macro-Jê e família Botocudo, mas perderam totalmente, sendo falantes do português (Silva 2002.153).
Os patriarcas
Povo Aranã reunido na área rural de Araçuaí |
De acordo com sua memória oral, o principal ancestral dos Aranã contemporâneos, Manoel Índio ou Manoel Caboclo, teria sido "adquirido" por um grande fazendeiro da região do médio Jequitinhonha e residido na pequena cidade de Virgem da Lapa, onde ficou conhecido por exercer a atividade de tropeiro. Para os Aranã, Manoel estabelece o elo de ligação histórica entre a "vida no mato" e a "vida nas cidades" do seu povo. Segundo o Senhor Jumá Índio, neto de Manoel, seu avô foi "pego no mato", na região de Itambacuri, já adulto. A imagem de Manoel Índio é associada, pelos Aranã, à imagem de "índio bravo", "índio do mato". Todavia, capturado e levado para o aldeamento de Itambacuri e depois para trabalhar para a família Murta, Manoel teria vivido grande parte de sua vida distante de seu povo e sob regime de trabalho escravo, na região da cidade de Virgem da Lapa.
Vítima de um processo de desenraizamento imposto, Manoel teria se casado com Isabel, que, segundo a memória oral aranã, seria também indígena de Itambacuri. Segundo o Senhor Jumá, Manoel e Isabel teriam tido três filhos, sendo o caçula, Pedro Inácio Figueiredo, o patriarca dos atuais Aranã do Vale do Jequitinhonha. Jumá diz não ter conhecido os irmãos de seu pai, apesar de saber que eles viveram em Virgem da Lapa, tornando-se conhecidos na região pelo apelido de "Boquinha" ou "Boquim", expressão advinda provavelmente da palavra caboclo, e pela qual era conhecido inclusive Manoel.
O herói cultural Pedro Sangê
Pedro Inácio Figueiredo, Pedro Inácio Izidoro ou Pedro Sangê, como ficou conhecido na região, provavelmente nasceu no ano de 1883, na Fazenda Alagadiço, tendo falecido no final da década de 1960. Pedro Sangê viveu a maior parte de sua vida trabalhando para a tradicional família Figueiredo Murta, que lhe possibilitou o acesso à educação formal. Segundo seus descendentes, Pedro nunca se dedicou ao trabalho agrícola ou à pecuária. Casou-se duas vezes e teve 13 filhos, todos com o sobrenome Índio.
A admiração por Pedro Sangê é grande entre os Aranã. Seus filhos não conseguem findar a lista de qualidades e apelidos do pai reconhecidos pela população local. Segundo sua filha caçula, Rosa, seu pai possuía grande espiritualidade e religiosidade, o que foi responsável por vários de seus apelidos, inclusive o de Pedro Conselheiro. Referência também para a arte de cozinhar e para confeccionar artesanato em couro, ele era chamado por vários fazendeiros para prestar serviços temporários.Tem muitas famílias aqui (...). Fora isso, tem a família Caboclo e a família Sangê, mas o povo é um só.
"Tem muitas famílias aqui (...). Fora isso, tem a família Caboclo e a família Sangê, mas o povo é um só.
É... O nome Aranã eu acho que pode ser o povo Aranã; a família é diferente.A família pode ser família Cabocla, família Sangê... igual tem família Sangê... Agora o povo é Aranã.
(Fazenda Taquaral reunião com os Aranã, 31/03/2001)"
Religião e costumes
Católicos, os Aranã falam com muito orgulho da função de sacristão que Pedro Sangê exerceu na Fazenda Campo. Em regime de mutirão, eles construíram uma capela naquela fazenda, onde até hoje seus filhos e netos realizam cultos para os poucos moradores.
Dona Terezinha, benzedeira que lidera a vida espiritual aranã, se identifica como católica. Responsável pela abertura de todas as reuniões de seu povo, ela benze seus parentes, canta e reza, e seus sonhos são entendidos como sinais divinos.
Antônio e seu filho Raimundo, conhecido como Mundinho, são os principais responsáveis pelas celebrações católicas dos Aranã. Ao acompanhar o grupo, pode-se perceber a grande importância que tem o calendário litúrgico da igreja católica para a organização de suas cerimônias. De forma intensa, reelabora-se, no contexto da vida religiosa dos aranã, significados próprios de práticas católicas de modo a atender a especificidades da identidade indígena.
Dispersas, as famílias aranã têm nos cultos católicos os principais momentos de sociabilidade do grupo. Referem, ainda, os forrós e os jogos de baralho como suas principais fontes de entretenimento. O chamego, bebida fermentada obtida de um fruto chamado Quiabinho, é tida como específica dos Aranã e um dos seus marcos de identificação étnica, constituindo-se, deste modo, em um importante elemento de integração na vida festiva do grupo. Incorporada e associada aos encontros indígenas, o chamego envolve atividades comunitárias desde o seu preparo, ao qual todos se dedicam. Conversas e brincadeiras muito próprias da convivência aranã permeiam os processos sociais de e de consumo do chamego.
Estilo de Vida
Os Aranã, na sua maioria são trabalhadores do campo, agricultores de subsistência e agregados de fazendas, porém jamais perderam a consciência de sua indianidade. Lutaram pelo reconhecimento étnico junto à FUNAI em 2002, e a possibilidade de unir seu povo disperso em um só território e resgatar não somente seu estilo de vida comunitária, também os traços perdidos do seu modo de vida e cultura (Silva 2002.147).
A Fazenda Campo situa-se em um lugar de difícil acesso e árido. Os herdeiros Murta a dividiram e venderam para outros fazendeiros da região. Os Aranã que vivem lá habitam em choupanas muito simples, cobertas de palha. O desejo do grupo é adquirir posse definitiva destas duas fazendas como seu território tradicional. As terras da Fazenda Alagadiço não são suficiente para sustentar o grupo e as da Fazenda Campo já é propriedade de outros. Ambos as fazendas não têm acesso a um rio (Silva 2002.152, 155). Cultivam milho, feijão e melancia.
A localização e população
Etnias e sua localização |
Os Aranã se apresentam dispersos em várias áreas rurais e urbanas dos estados de Minas Gerais e São Paulo. Contudo, o grupo possui maior concentração familiar nas áreas urbanas e rurais dos municípios de Araçuaí e Coronel Murta, no Vale do Jequitinhonha (MG).
As fazendas Campo, Alagadiço, Lorena, Cristal e Vereda são as principais localidades rurais ocupadas pelos Aranã, sendo que na Fazenda Alagadiço há maior concentração de famílias em função da Diocese de Araçuaí ter doado glebas de terra para alguns posseiros na década de 1980. As cidades de Araçuaí, Coronel Murta, Pará de Minas, Juatuba, Betim, Belo Horizonte e São Paulo são as principais áreas urbanas ocupadas pelos Aranã.
Com base em levantamento preliminar realizado em 2000, pelo Conselho Indígena Aranã Pedro Sangê (CIAPS), o povo Aranã ultrapassa o número de 30 famílias.
Processos de resistência, luta e permanência
Os Aranã foram aldeados pelos missionários capuchinhos em 1873, no Aldeamento Central Nossa Senhora da Conceição do Rio Doce, onde grassaram epidemias que dizimaram a população. Alguns sobreviventes migraram para o Aldeamento de Itambacuri, de onde saíram os ancestrais dos Aranãs de hoje, para o trabalho em fazendas na região do Vale do Jequitinhonha. Hoje os Aranã se dividem em dois grupos, os Aranã Caboclo e os Aranã Índio, que lutam para que o(s) território(s) sejam identificados e homologados. A população vive hoje em Araçuaí, Coronel Murta e região metropolitana de Belo Horizonte.
Discentes: Ariany Oliveira Castro
Nikole Cardoso de Souza
Danielly Rodrigues Guimarães
Ayslla de Souza Oliveira
André Lucas Santos Gusmão
Referências
PHILIPS. J David
https://brasil.antropos.org.uk/17-arana/
carneiro_de_carvalho_lucas.pdf
http://hdl.handle.net/1843/VCSA-7EDT5Y
Fotografia: Índia Aranã na área rural de Araçuaí. Autoria: Vanessa Caldeira, 2001.
Na foto, o povo Aranã reunido. Crédito da foto: Geralda Soares Chaves
https://cimi.org.br/2021/03/vitoria-amarga-do-povo-arana-divida-historica-nao-quitada/