Indígenas mapuche


Mapuches

Os Mapuche são um grupo étnico-cultural indígena que ocupa a região centro-sul do Chile e a Patagônia argentina. Marcados historicamente pela resistência guerreira contra adversários superiores, sua população resistiu durante séculos aos ataques e investidas dos colonizadores espanhóis e posteriormente, de forças republicanas. Originários da região da Araucanía e da Ilha Chilóe, no Chile, o povo mapuche é o maior grupo indígena da América do Sul na atualidade. Recentemente, os araucanos ganharam notoriedade no cenário midiático em virtude de sua luta contra os interesses financeiros estatais e privados sobre seus territórios ancestrais, protagonizando inúmeros embates e disputas em prol da posse de suas terras.

Originários da Araucanía, região do Chile e com o passar do tempo, expandiram-se para o oeste argentino. Atualmente, a etnia é encontrada em ambos os países. No Chile, a população reche é estimada em 700 mil indivíduos ou cerca de 5% da população total do país, embora haja fontes que sugerem que o número seja três vezes maior. É importante destacar, todavia, que a maioria dos mapuche habita centros urbanos. Já no país vizinho, a Argentina, os mapuche compõem menos de 500 mil pessoas, totalizando cerca de 1% da população argentina.

Territorialidade mapuche

O termo ‘mapuche’ em mapudungun (mapu ‘terra’ e che ‘gente’) significa ‘gente da terra’, sendo utilizado para identificar indivíduos pertencentes à etnia. Outro termo empregado é a palavra ‘reche’, que significa ‘gente verdadeira ou real’. Em sites e livros históricos é relativamente comum os mapuche serem denominados de ‘araucanos’ (selvagens ou bravos). A expressão era usada por incas e espanhóis e consiste em uma denotação pejorativa. Porém, por fins didáticos, o termo será usado em algumas ocasiões. Seu vínculo com o território é enorme, haja vista sua nomenclatura, com o elemento territorial influenciando diversos aspectos, como sua cultura e crenças.

A etnia mapuche é formada por vários povos indígenas estabelecidos ao longo dos domínios chilenos e argentinos, como os pehuenches, os huileches, os ranqueles, os tehuelches septentrionales, os pampas e os ranqueles. Devido a natureza acidentada do território mapuche, possuindo cordilheiras e planaltos, além de longas planícies, fatores que inviabilizam a comunicação entre povos, acredita-se que o processo de unificação cultural destes se deu com o intuito de se fortalecerem frente às investidas espanhóis durante o período colonial. Originalmente, alguns povos eram caçadores coletores e partilhavam outros costumes, sendo convertidos posteriormente em mapuche, como será visto.


História


A origem do povo mapuche remonta às culturas pré- hispânicas Pítren e El vergel, que se desenvolveram em regiões compreendidas entre o rio Bío Bío e a bacia Reloncaví. Há evidências que indicam que a etnia começou a ocupar a região ainda no início do século V A.C. No período pré colombiano, as atividades desenvolvidas pelos araucanos consistiam na caça e coleta acompanhados da semi-domesticação de camelídios e produção de horticulturas, com suas habitações sendo dispersas por seus territórios.

O primeiro contato entre o colonizador e os indígenas ocorreu em 1536, na região do rio Bío Bío, quando a Espanha buscava se expandir para o sul do Chile. As primeiras impressões denunciavam a nítida diferença cultural e religiosa entre os envolvidos, culminando em uma batalha. Sob o comando de Pedro Valdivia, os espanhóis esperavam uma rápida vitória sobre os indígenas mapuchi, como havia ocorrido em outras partes do continente. No entanto, a realidade foi completamente diferente. Reforçados com o apoio de outros povos, como pehuenches, os picunches e os cuncos, os mapuche representaram uma difícil oposição para a conquista espanhola.


Representação de luta entre o comandante Valdivia e
os indígenas mapuche

Os mapuche detinham ampla experiência em resistir de forma violenta ás tentativas de dominações. O primeiro grande conflito entre colonizadores e araucanos foi a batalha de Quilacura, no ano de 1546. Com posteriores conflitos resultando em placares favoráveis para os colonizadores, algumas cidades foram construídas ao longo da localidade, como Concepción e Valdivia. Entretanto, o cenário favorável aos espanhóis não durou muito tempo. Lautaro, um indígena que havia auxiliado Valdivia, planejou um meticuloso plano contra o ‘invasor espanhol’, encabeçando um levante que derrotou os espanhóis em Tucapel.

 Tal insurreição representou um ponto de virada no destino do conflito a favor dos nativos, que somente foram parados pela varíola antes de chegarem a Santiago. Durante meio século, a guerra se resumiu a movimentos defensivos e ofensivos, ora indígenas ora espanhóis, conforme sua realidade no conflito.

Em razão da ineficiência dos combates e seus altos custos, tanto materiais quanto pessoais, os beligerantes realizaram acordos e reuniões que discorriam sobre o rumo do conflito e dos territórios disputados. Como fruto dessas conversações, o tratado de Quílin foi assinado em 1641, com a coroa Espanhola reconhecendo a autonomia dos territórios mapuche ao sul do rio Bío-Bío e comprometendo a respeitar o modo de vida reches.



Combate entre os colonos e os reches pela guerra do arauco


Toda a sucessão de conflitos descrita ficou conhecida como ‘Guerra do Arauco’, que perdurou por três séculos. Dentre todos os povos nativos da América Latina, os reches foram o único que grupo indígena latino-americano que obteve certo grau de autonomia frente ao impiedoso colonizador europeu, com a ‘conquista’ custando um preço alto para os mapuche, já que enfrentaram confrontos violentos e epidemias de cólera e varíola trazidas pelos ibéricos.

Durante o vigor do tratado, que possibilitou que os reches desfrutassem de um longo período de paz e independência, o povo mapuche passou por expansões territoriais e experimentou profundas alterações em sua estrutura social e econômica. Acarretados por mudanças, vários fluxos imigratórios formados por mapuche se deslocaram em direção ao oeste argentino, atravessando a cordilheiras dos Andes e chegando às planícies e pastos da Patagônia argentina, regiões como Rio Negro, Chubut, Limay e Neuquén. Tal processo de imigração ficou conhecido como ‘Araucanização dos Pampas’, sendo marcado pela conversão de povos indígenas locais em mapuche, contribuindo para a grande territorialidade da etnia.

A introdução do cavalo em sua cultura converteu a sociedade indígena em uma sociedade equestre. Os nativos utilizavam os equinos em conflitos, deslocamentos e outros variados fins. Paralelamente, a criação extensiva de gado pelos indígenas, que se acentuou com a multiplicação de gados e cavalos

nas planícies dos pampas, se mostrou uma força motriz para a expansão do comércio na Araucanía, com o tráfico desses animais transformando os mapuche em mercadores que mercantilizavam os animais e seus derivados em feiras ao longo das fronteiras do Bío-Bío. Além disso, a prata e o tecido eram outros importantes artigos, sendo trocados por cavalos e outros produtos. Os insumos têxteis de origem indígena alimentavam a demanda chilena por vestuário dado a dificuldade em obter artigos vindos da Europa, com a crescente fabricação de jóias de prata suprindo o crescente gosto pela ornamentação corporal. Houve a entrada e saída de mercadorias coloniais e mapuche de maneira ininterrupta durante o período. No âmbito do crescimento da economia indígena, a sociedade reche, caracterizada pela ausência de classes e pelo poder limitado ao ceio familiar, observou a aparição da figura do ulmen (‘nobre’ ou ‘rico’ em mapudungun), que abarcava grande poderio político e de influência. A sociedade de horticultores e agricultores que fora o povo reche se transformava em comunidade formada por mercadores e pequenos fazendeiros.

Em meados de 1860, no entanto, a tranquilidade e a prosperidade mapuche terminavam devido a incursões militares promovidas pelo exército republicano chileno contra os indígenas. Vale recordar que o Chile obteve sua independência no ano de 1818. A recém nascida nação passava por um de

idealização nacional que visava a unificação de seus habitantes sob uma mesma cultura, além de uma plena agregação territorial do país. Embora o Chile respeitasse o tratado anteriormente estabelecido pelos espanhóis, chegando a assinar um acordo nos mesmos modos, conhecido como Tratado de Tapihue, a autonomia territorial dos mapuche era um empecilho para a consolidação do projeto republicano do Chile.


Indígenas dos pampas reunidos

Baseado em suas ambições, o estado Chileno avançou militarmente em direção ao sul do Rio Bío-Bío e *depois de duas décadas de conflitos com os nativos, a república chilena anexou o território reche em 1881, construindo fortes na Araucanía e refundando cidades destruídas no decorrer do período colonial. Como resultado dos embates, inúmeros indígenas foram brutalmente mortos e suas riquezas foram tomadas pelo Estado, um conflito que ficou conhecido como ‘Pacificação da Araucanía’. Com o fim do confronto, o governo começou um processo de reassentamento dos reches sobrevivente em reservas conhecidas como ‘reduções’, que consistiam em propriedades rurais cedidas pelo governo através dos ‘titulos de merced’ ou ‘títulos de misericórdia’. Cada propriedade apresentava uma média de 6 hectares. Cerca de 80 mil indígenas foram

‘beneficiados’ com propriedades, com uma parcela significativa dos indivíduos imigrando para as cidades em virtude de não obterem um pedaço de terra, que eram em sua maioria pouco produtivas. O processo de reassentamento se deu entre 1881 e 1927, sendo considerado marcante para a vida do povo mapuche, uma vez que representou o empobrecimento compulsório desta população a mando do governo. Posteriormente, nas primeiras décadas do século XX, houve novas divisões que reduziram ainda mais o território destinado aos indígenas. Uma situação semelhante se deu nos pampas argentinos, em Limay e rio Negro, regiões habitadas por indígenas mapuche, em um processo conhecido como ‘Conquista do Deserto’.



No decurso da maior parte do século XX, os líderes reches buscaram a ‘integração’ da população mapuche na sociedade argentina, participando ativamente na política através da ocupação de cargos no congresso e da denúncia das injurias e discriminações enfrentadas pelo povo mapuche. Um dos auges dessa busca ocorreu entre as décadas de 1950 e 1970. No fim dos anos 60, vários grupos indígenas foram mobilizados pelo socialista Salvado Allende para conversações sobre a reforma agrária, com os mapuche retomando alguns territórios perdidos por meio de ocupações e expropriações. Além disso, ainda no mesmo período, antes do governo de Allende, o líder mapuche Venancio Coñoepán participou do ministeriado do presidente Ibañaz.


Allende e xamã em encontro

 O começo dos anos 70, todavia, demonstrou-se um empecilho para as demandas reches, dado que, com a subida de Augusto Pinochet ao governo do Chile, o país iniciou um processo que visava à revogação das mudanças realizadas no âmbito da reforma agrária promovida pelo governo anterior. Neste sentido, a ditadura de Pinochet desapropriou inúmeras terras recuperadas pelo reches nos anos anteriores, redistribuindo para empresas, grandes latifundiários e outros grupos dominantes. O governo militar chileno ainda foi responsável por aprisionar, torturar e matar indígenas mapuche como forma de silenciar e reprimir o grupo nativo.

Tendo a transição para a democracia como pano de fundo, nos anos finais do militarismo, surgi uma ideologia que reafirma a cultura e etnia mapuche entre líderes indígenas. Através de acordos, como o assinado junto ao presidente em Nueva Imperial no ano de 1989, os indígenas se comprometerem a buscar seus direitos utilizando de vias institucionais. Os mapuche viam nessa fase a possibilidade de sua pautas serem atendidas pelo estado chileno Em 1993, o congresso aceitou de maneira parcial reivindicações dos nativos em um contexto de promulgação de uma nova legislação indígena, entretanto, importantes e impactantes demandas dos reches relacionadas a terra e a sua culturas não foram inclusas, com o congresso, mais tarde, sendo contrário a novas reformas constitucionais.


Contemporaneidade

Considerando o cenário marginal vivido, a negligência governamental quanto aos seus desejos e a realidade cada vez mais desafiadora encontrada pelos mapuche, os indígenas apelaram para uma forma de resistência que garantira sua sobrevivência no período colonial: O uso de medidas mais ofensivas e bruscas, como ocupações, incêndios e ataques reduzidos de guerrilha. Sob esse âmbito, surgiram grupos político-militares voltados para ações dessa natureza, como o ‘Weicham Auka Mapu’ e a ‘coordinadora de comunidades em conflito arauco malleco’. Em 97, como marco da nova abordagem dos mapuche, indígenas ateiam fogo em três caminhões pertencentes a uma madeireira que atuava na Araucanía. Inspirados, grupos mapuche começaram a ocupar terrenos e incendiar bens de multinacionais. No mesmo ano, uma multidão mapuche invadiu um acampamento de trabalhadores da empresa florestal Mininco.


Protesto reche

Observando o crescimento de ações do tipo, o estado chileno foi imediatista ao responder com o aumento da repressão sobre movimentos originários, taxando suas ações como ‘terroristas’. Nos anos posteriores, diversas ações semelhantes se desenvolveram em empreendimentos localizados em territórios ancestrais no Chile. Desde 2013, mais de 300 caminhões de empresas florestais foram queimados no sul do Chile. A principal razão por trás das represálias mapuche no Chile é o cultivo de culturas arbóreas (eucaliptos e pinheiros) em suas terras ancestrais. No decorrer do século, devido a tomada de terras dos reches pelo governo, muitos territórios e assentamentos reches pararam nas mãos de multinacionais ligadas a silvicultura e em menor grau, a mineração. Graças às atividades exploratórias dessas empresas, muitos terrenos habitados por reches têm sofrido com a degradação ambiental e a escassez hídrica.


Cartaz mapuche com os dizeres: "Não somos terroristas"


Na Argentina, a situação enfrentada pelos reche é semelhante, com mineradores multinacionais se instalando em seus territórios sagrados e desenvolvendo um modo de produção intensivo, principalmente nas províncias de Neuquén e Chubut. Usando de prisões arbitrárias, violência policial em protestos e ocupações, perseguições a lideranças, arquivamento de inquéritos judiciais e até assassinatos, as governanças chilenas e argentinas visam calar as reivindicações mapuche. Rotineiramente, a violência policial empregada com ativistas da causa reche ganha repercussão internacional.





A mídia local, que muitas vezes representa os interesses empresariais, acaba reforçando o discurso ‘terrorista’ propagado pelo Estado, uma vez que, em diversas ocasiões, as ações de reivindicações do mapuche são retratadas como ‘violentas’ e como causadoras de ‘instabilidade’ e ‘caos’ para a região do ocorrido, criando uma opinião publica negativa sobre a causa reche.



Costumes, cerimônias e tradições

(Trecho retirado do livro ‘Os mapuches’)


Catalogo Cahuíñ é uma cerimônia semelhante ao do batismo, chamada "abrir as orelhas", para que se possa usar brincos. ' Um cavalo selado deve ser preparado com o melhor que você tem, virado, manuseado para que este esteja olhando para o leste, e na barriga um cobertor trabalhado é colocado onde a criança se deita. Dentre as tradições dos pampas, havia também o casamento. O casamento mapuche obrigava o ritual de pedir à mão da noiva. Foi usado um novo laço trançado com o qual a menina foi tocada para deixá-la pedida, e também o pedido foi feito aos pais com belas e altivas palavras. No momento da cerimônia, os noivos sentam em uma manta tecida e os mais velhos se acomodaram em círculo atrás deles. Primeiramente, os pais da menina davam conselhos sobre a vida conjugal, em seguida os do menino, e o casal apenas escutava. Um coração de yeguarizo também era preparado para os dois comerem. Embora também existisse, quando o consentimento não era tão explícito por parte da noiva ou de seus pais, a formalidade - por mais paradoxal que possa parecer - de sequestrar a menina. Em ambos os casos, a família do noivo tinha que pagar por isso, com animais, roupas de prata, tecidos, e ele não tinha direito de reclamar se o casamento não prosperasse e a mulher recém-casada fugisse e voltasse para os pais. Entre os antigos havia a poligamia, ou seja, ter mais de uma mulher. É claro que nem todos podiam se beneficiar desse costume, pois o casamento era muito caro, e apenas os personagens mais nobres podiam se dar ao luxo de duas ou mais mulheres.


Os funerais

O curucahuín é a cerimônia fúnebre. Após o velório do cadáver, vestido com suas melhores roupas, é retirado o corpo em uma bolsa de couro e o levou para a sepultura estendido no lombo de seu próprio cavalo. Às vezes esse cavalo era algemado (uma mão era quebrada) para acompanhar a última jornada do falecido com sua dor e, finalmente, ele era enforcado na sepultura, para que o dono tivesse algo para andar na vida após a morte. O defunto é enterrado com seus pertences mais preciosos, e sobre a sepultura é colocado tudo o que precisaria para sua viagem: carne, sal, tabaco, erva, biscoito, e então os parentes comeram e beberam no local.


A prataria

Há quem atribua a origem da prataria mapuche à expansão inca para o sul que começou na segunda metade do século XV, enquanto os incas já dominavam o trabalho metalúrgico e várias técnicas de ourivesaria, especialmente em cobre e prata.


Acessório corporal feito de prata de origem reche

Outras teorias sustentam que foi somente com a chegada dos espanhóis que os mapuches incorporaram essa arte, enquanto até então só teriam acesso às técnicas simples de martelar, cortar, polir e furar. De todos os metais, davam preferência à prata, obtida. Aquele que detinha o título de ourives ou retratista era alguém distinto na comunidade e o único que sabia fazer joias, e sempre o fazia para uma pessoa específica. Assim, as peças resultantes eram sempre originais e pessoais. Os desenhos nada tinham a ver com estética - não eram um simples ornamento - mas sim com representações simbólicas, como as síquilas ou peitorais. Essas representações preservam seu portador de espíritos ou personagens malignos. Além de joias, os talheres incluíam roupas de montaria.


Tecidos

Um dos elementos mais famosos da indústria mapuche, do passado e do presente, é a fabricação de

tecidos. Desde os tempos antigos, seus ponchos e mantas eram famosos por serem tremendamente resistentes e impermeáveis, e serviam como elemento de comércio na fronteira, pois eram muito cobiçados pelos brancos. Em geral, fazem os seus tecidos sem ter à vista o desenho e as formas que vão ter, são feitos de cabeça. Os formatos utilizados são geralmente geométricos, enfatizando, sobretudo a combinação de cores. Os ponches, juntos ao enfeites, corporais são os principais vestuários utilizados pelos mapuche.


Tecido de origem mapuche



Religiosidade reche

A cosmogonia Mapuche consiste em uma junção de variadas crenças e mitos religiosos de cunho animista. De acordo com a religiosidade araucana, o universo é dividido em inúmeras plataformas, tendo uma dimensão vertical chamada e uma dimensão horizontal. Conforme a dimensão vertical, o cosmos é dividido em planos sobrepostos, com o primeiro plano sendo denominado de wenu mapur (‘terra acima’ em mapudungun).


Indígenas mapuche em ritual

Esse plano é subdividido em cinco plataformas, com as plataformas superiores sendo habitadas pelos bons espíritos e pelos ancestrais e a última plataforma abrigando espíritos maléficos e monstros mitológicos. Entre o primeiro e o último plano há o nag mapur, onde se localiza o mundo

natural formado pelos humanos, corpos hídricos, plantas e animais. Tal plataforma terrena é permeada por forças positivas e negativas. Quanto a dimensão horizontal, as plataformas seriam equivalentes e em formato quadricular, com o nag mapur, plataforma que abriga o mundo natural, apresentando quatro recortes que se referem aos pontos cardinais (Sul, Norte, Oeste e Leste) respectivamente.

Dado a profunda ligação entre os mapuche e sua terra ancestral, a mapu (‘terra’ em mapudungun) ocupa um posição central nas crenças reches, contemplando um sentido tanto físico quanto espiritual ou transcendente. Em função de seu caráter politeísta, o credo mapuche apresenta vários deuses em sua narrativa mitológica que se relacionam principalmente a elementos e fenômenos naturais (animismo). A principal divindade araucana é Ngen ou Nguenechen, considerado o ser supremo do xamanismo mapuche, sendo líder e proprietário da criação (Universo). Outra divindade mapuche é Ngenemapum, o deus da terra, responsável pelo saber e transmissão dos conhecimentos acerca de plantas medicinais. Além desses deuses, há o Ngurvilu, tido como o deus das águas, lagos e oceanos, bem como a deusa Kushe, uma divindade que é mãe e companheira simultaneamente do deus criador Ngen. A mitologia mapuche também descreve o espírito Pillan, considerado o deus do trovão e o responsável pelos sismos e erupções vulcânicas que assolavam o território dos

araucanos esporadicamente. Esse deus é retratado como um habitante de um

vulcão.

A cosmovisão mapuche apresenta uma narrativa que explica a criação do universo. Segundo o mito, no princípio havia somente ‘ar’. Após alguns espíritos se transformarem em rochas e caírem dos céus devido ao seu peso, concebeu-se o planeta terra a partir dessas pedras. Um dos filhos de Ngen,

deus criador, foi enviado junto a uma estrela que fora convertida em uma mulher para habitar o planeta terra. Como as rochas detinham um aspecto rígido, machucando que caminhasse sobre a estrutura, Ngen fez com que surgissem tapetes de grama sobre tais rochas. Enquanto a mulher se deslocava e interagia pelos campos floridos, as flores se tornavam seres vivos e frutos, conforme o mito. Em momento posterior, o filho de Ngen e sua esposa procriaram e geraram filhos. Segundo a história da criação, o sol surgiu quando o jovem – filho de Ngen - fez um furo no ar em direção ao planeta; um buraco que radiava um forte brilho e um intenso calor.



A mulher ocupava uma posição importante no credo mapuche

Conforme o mesmo mito, a lua se originou quando a mãe observou pelo mesmo buraco, uma ação que deixou um leve filtro de luz branca durante o período noturno. Com o passar do tempo, devido ao contato com outras religiosidades, o xamanismo reche recebeu influências de outras práticas

religiosas, como o catolicismo, ocorrendo um intenso sincretismo na cosmogonia mapuche. Atualmente, a maioria dos são araucanos católicos ou protestantes, no entanto, há uma grande quantidade de indígenas que seguem o xamanismo sincrético.



Organização social

O modo de organização e os aspectos sociais adotados pelo povo mapuche são bastante semelhante aos encontrados na maioria das sociedades primitivas. Um exemplo dessa constatação é a ausência do conceito de propriedade privada em sua cultura. Todavia, a sociedade araucana detém certas

especificidades. A menor unidade de organização social é a ruka (‘casa’ em mapudungun), estrutura que abrigava uma família poligâmica, ou seja, que concentrava as esposas, os filhos e filhas solteiros e outros parentes do chefe da família.

Uma ruka apresentava diferentes formas e tamanhos, sendo feitas de madeira de carvalho, palha e outros materiais que garante a conservação da temperatura do ambiente. As ruka não são compostas por janelas, tendo uma porta direcionada para o nascer do sol como única abertura. Seu espaço interno detém banquinhos tradicionais, um fogão, camas e alguns eletrodomésticos pendurados no teto, tendo poucos utensílios.


Ruka (Base da sociedade reche)

Em um nível superior, tinha-se o casario, que reunia entre quatro e nove rukas. Em geral, os indivíduos masculinos das casas pertenciam à mesma linhagem do cacique (ulmen) da ruka principal. Os vários conjuntos de casas formavam um kiñelof, um núcleo endógamo.

Os membros da kiñelof desenvolviam uma relação de cooperação, atuando nas atividades econômicas e bélicas em conjunto. Subindo a hierarquia de agregação, surgi o lebo, considerado a agregação mais crucial dentre os níveis existentes. É no lebo que se tomam decisões relativas a conflitos bélicos, a política e a justiça, além de ser nesse agrupamento que se desenvolviam festividades religiosas e reuniões. Questões que envolviam adultério, magia e furto eram deliberadas e solucionadas em nível de lebo, com suas decisões sendo respeitadas. A identidade cultural dos indígenas se expressava pelo pertencimento a um lebo, sendo o primeiro grau de distinção identitária. Um mapuche não sacrificaria ou se alimentaria de um membro de sua própria lebo. Em cenários de guerra ou ameaça exterior, inúmeros lebo podiam se reunir em um grau de organização superior denominado ayllarewe, que detinha um caráter temporário. Maior que a ayllarewe, tem-se o futamapu (terra grande), um esforço de centralização política da etnia mapuche. No decorrer do período colonial, a região da Araucanía chegou a ser dividida em três. O futamapu se formava pelo agrupamento de inúmeros ayllarewe.

Como o lebo era a unidade sociopolítica fundamental e permanente da organização social mapuche, além de possuir uma ordem de identidade própria, seu poder político era dividido entre três indivíduos: O ngenfoye (Chefe civil), o ngentoki (chefe de guerra) e o voquifoye (chefe religioso). Em paralelo,

há também a figura do xamã ou machi, que atua na interpretação dos sinais do cosmos e na manipulação de plantas medicinais utilizando seus ‘poderes transcendentais’. É importante destacar que, após o primeiro encontro dos mapuche e espanhóis, houve uma mudança na estrutura sociopolítica dos araucanos, com os ayllarewe e os futamapu se institucionalizando e deixando seu caráter temporário, assumindo a posição de agrupamentos sócio-políticos permanentes providos de representantes sócio-políticos.


Língua mapudungun


O idioma falado pela etnia mapuche é conhecido como mapudungun (‘Língua da terra’ em português). O mapudungun é uma língua ágrafa, ou seja, não possui nenhum tipo de representação escrita ou cuneiforme, sendo limitada a pronúncia. Essa é uma característica compartilhada pela grande maioria dos povos originários latino-americanos, com exceção dos maias, astecas e incas. Com a colonização, os espanhóis começaram a redigir o idioma se utilizando do seu alfabeto latino, escrevendo as expressões conforme soava em seus ouvidos e relacionando o som escutado na pronuncia do mapudungun a um som castelhano. Infelizmente, a má transcrição das palavras resultou em inúmeras distorções, com palavras perdendo seu significado original. Atualmente, cerca de 400 mil pessoas são falantes do idioma. Há alguns anos, linguistas mapuche buscam o desenvolvimento de uma gramática que contemple todos os sons do idioma araucano. Ainda no século XIX, o político Juan Manuel de Rosas e o coronel Federico Barbára buscaram desenvolver um dicionário para a língua mapuche. A partir de seus trabalhos surgiram as obras ‘Gramática e dicionário da língua dos Pampas’ e ‘Manual da língua dos Pampas’, respectivamente. Atualmente, o dicionário produzido por Esteban Erize é o mais popular, já que se distancia bastante dos erros de pronuncia. A língua mapuche é formada por seis vogais e vinte consoantes, com seus substantivos sendo divididos em animados e inanimados. O idioma também apresenta pronomes pessoais e interrogativos, além de não possuir uma regra para a formação de ‘plural’, utilizando da repetição do termo ou acréscimo de certas sílabas para indicar uma grande quantidade daquele objeto ou entidade. A seguir, algumas palavras do mapudungun e seus respectivos significados: 'i-n' (comer), 'zugu-n' (falar), 'aznt' (sol/dia), 'zomo' (mulher), 'ko' (água), 'peñi' (irmão), 'wagku' (cadeira), 'puh' (noite), 'we' (novo), 'uxe' (frio), 'fvxa' (grande), 'fvca' (velho), 'pici' (pequeno), 'putu-n' (beber), 'kvpa-n' (vir), 'kintu-n' (pagar), 'cijka' (livro) e 'az' (cor).


Bandeira Mapuche


A atual bandeira mapuche foi escolhida em 1992 durante o conselho de todas as terras. As cores e os símbolos da bandeira araucana apresentam inúmeros significados: A pureza do universo é simbolizada pela cor azul; A mapu (a terra) é simbolizada pela cor verde; o território de assentamento da nação é simbolizado pelo WallMapuche. A representação ligada à força, o poder e o sangue derramado pelos ancestrais do povo mapuche, é simbolizada pela cor vermelha na bandeira. No centro da bandeira, há um kultrung, tradicional tambor da etnia mapuche, sendo enfeitado pelo Meli wintran mapu, decoração que representa a terra e seus quatro pontos cardinais, conforme a cosmogonia araucana. Finalmente, tem-se o guemil, que são duas faixas (superior e inferior) que fazem referência ao domínio sobre a ciência e o conhecimento, com a coloração preta e brancas das bordas remetendo ao dualismo presente no universo.


Bandeira Wenüfoye



Curiosidades


  • Como forma de preservar e expandir sua cultura, assegurando sua sobrevivência, tal como se deu no passado por meio de tratados, a etnia mapuche tem uma seleção de futebol filiada à CONIFA. Basicamente, a CONIFA é uma associação internacional de futebol que reúne seleções que representam territórios, povos ou culturas não reconhecidas internacionalmente, como o Curdistão, a Ossétia do Sul e o Tibete. Por essa razão, tais seleções não podem se associar à FIFA, restando a confederação CONIFA. Os membros da organização disputam a copa do mundo CONIFA, semelhante a copa do mundo da FIFA. Tamanha é a ligação dos mapuche com o futebol que o nome do time chileno Colo-Colo é uma homenagem ao líder araucano que viveu durante o período colonial.
  • No decorrer do período colonial, o reino da Araucanía e Patagônia surgiu na região da patagônia. Como não havia uma presença efetiva de tropas argentinas ou chilenas, o advogado francês Aurélio-Antônio de Tounens aliado aos indígenas mapuche da região decidiu fundar uma monarquia, tendo se autodeclarado rei. Contudo, o reino durou menos de cinco anos. Curiosamente, até hoje existe a casa real dos 'Tounens' no exílio, existindo sucessores.


Bandeira do reino da Araucanía e Patagônia


Quiz sobre o povo mapuche feito pelo grupo. O teste foi realizado com o intuito de observar o conhecimento obtido por você durante a leitura sobre o blog:

https://pt.quizur.com/trivia/os-indigenas-mapuches-M988


Referências bibliográficas


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RUPAILAF, Raúl. Las Organizaciones mapuches y las políticas indigenistas

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BENGOA, José. Historia de los Antiguos Mapuches del Sur. Santiago:

Catalonia, 2018. 528 p.; 17 x 24 cm. Bibliografia p. 10-20. ISBN 978-956-830-

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LOBOS, Omar. Los mapuches. 01.ed. Buenos Aires: Del Sol, 2008. 96p.; 22 x

15 cm. Bibliografia p. 18-23. ISBN 978-987-632-702-2.



Leituras extras


BENGOA, José. Historia de los Antiguos Mapuches del Sur. Santiago:

Catalonia, 2018.


FOERSTER, R. G. Jesuitas y mapuches (1593-1767). Santiago, Chile:

Universidad de Chile, 1996.

LOBOS, Omar. Los mapuches. 01.ed. Buenos Aires: Del Sol, 2008.

GEOGRAFIA E HISTÓRIA. Capitulo X: Mapuches I. La fuerza de la tierra. Youtube. 27 ago 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Ar_lWURCm20 >.


BRASIL DE FATO. Policiais sitiam mapuches em recuperação de terras ancestrais na patagônia argentina. Youtube. 8 out  2021. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1TtXTM_d9AY>




Discentes

Kaio Magalhães dos Santos

Giovanna Orsine Otoni

Beatriz Oliveira Santos

Allexia da Silva Ribeiro

Bianca Pereira Gomes


Turma

2ª Agrimensura