Os Pankararus

 


• A origem dos povos Pankararu:

Para muitas pessoas é um mito de origem, mas para os povos Pankararu é uma história de criação. “Meu povo surgiu a partir do leito do rio São Francisco, esse rio é de extrema importância para nós, porquê é lá que nós acreditamos que existe a cachoeira Encantada que fica no médio de São Francisco, onde fica as cachoeiras de Paulo Afonso que hoje se transformou numa grande hidrelétrica”, diz a entrevistada Cleonice Maria da Silva atual habitante da aldeia Pankararu do Vale do Jequitinhonha. Já a segunda história (mito de origem) é que a lagarta se transformou no ser humano.


• Quais motivos que influenciaram a migração dos povos Pankararu:

O primeiro motivo em questão é a invasão dos territórios, pois com a chegada dos colonizadores os povos da região do médio São Francisco foram expulsos de sua terra, não apenas os povos Pankararu, mas também outros povos que habitavam a região. Nesse período ainda não havia a conscientização de que o indígena tinha direito de seus territórios. E por isso quando houve essa perda esses povos migraram para várias regiões do país.


• Quais são as tradições que os povos Pankararu estabeleceram ao longo do tempo:

“Os povos Pankararu sempre tiveram a cultura diferente como todos os povos do Brasil. O Brasil tem mais de 200 povos diferentes e de 14 etnias diferentes, cada povo tem um jeito de se identificar com sua cultura e sua própria língua. Meu povo têm danças de rituais, danças de canto, cultura de pintar os corpos e utensílios, trabalhar com barro e com artesanato, trabalhar com sementes, isso e muito mais faz parte da tradição dos povos Pankararu” , diz também Cleonice Maria da Silva na entrevista feita pelo grupo. O plantio de certos alimentos também faz parte da cultura, como mandioca, batata doce, feijão de corda, que são plantas nativas do Cerrado. Então é dessa forma que as famílias pertencentes a esses povos mantém suas tradições.

 

• Como funciona a organização social do povo Pankararu na aldeia?

“As mulheres tem uma atividade própria os homens também, mas um ajuda o outro, nós temos as parteiras nós temos as benzedeiras nós temos os caciques e os pajeiros. Cada família é formada  em grupos, então  sempre tem um grupo ali de 15-20 famílias  agrupados, mas que mantém convívio com outros grupos familiares é tipo um clã, fazemos  trabalho comunitário, temos que respeitar o espaço do outro então nós temos respeitar o espaço do Pajé do benzedor da curandeira tem que respeitar os mais velhos, que são os nossos conselheiros as crianças também tem que ser respeitadas tem que ser ensinadas então aí essa organização.”

A organização social dos Pankararu caracteriza-se por famílias extensas com base na filiação cognática. Não há regra de residência preestabelecida, mas é comum a residência bilocal, o que caracteriza os núcleos populacionais que residem em núcleos familiares, sendo os de maior concentração familiar a Cacaria, o Enjeitado e a Lagoa, sendo que cada um destes resguarda certa distintividade em relação ao outro pela consanguinidade. Apesar de considerarem o duplo parentesco, cada família recebe a nomeação de um ancestral que crê ser originário da Serra Negra. São eles Amanso, Limeira, Cacheado, Rosa e Mergeli. A partir do quadro de genealogia, observamos que até os últimos 20 anos, havia uma predominância no matrimônio entre primos cruzados.

 

• Como são transmitidos os costumes, valores e o conhecimento indígena para as novas gerações?

     “Atualmente está bem difícil de transmitir porque tem muitas interferências  da tecnologia, mas mesmo assim o pessoal ainda transmite através da escola, por exemplo aqui na escola as crianças tem a aula de cultura e o uso de território ali elas vão aprender a língua indígena vão, aprender as pinturas,  aprender a desenhar, aprender a plantar desde pequenos, já vamos para roça, criança acompanha a mãe para fazer artesanato,  então assim ela já vão aprendendo a mexer com as palhas, com as sementes e os quando nós temos assim atividade mutirão as crianças participam ,a partir do momento que elas estão participando elas estão aprendendo e os mais velhos ensinando”.


            As crianças indígenas, por exemplo, aprendem muita coisa com seus pais e parentes mais próximos, como os irmãos e os avós. Os conhecimentos podem ser transmitidos durante as atividades do dia a dia ou em momentos especiais, durante os rituais e as festas. É principalmente na relação com seus parentes que as crianças aprendem. Caminham junto com eles, observam atentamente aquilo que os mais velhos estão fazendo ou dizendo; acompanham seus pais até a roça; vão pescar com os adultos e brincam muito! Cada brincadeira é um jeito de aprender uma habilidade que será importante no futuro, como saber caçar, pescar, fazer pinturas no corpo, fabricar arcos e flechas, potes, cestos... É por meio destes processos de aprendizagem que as crianças aprimoram as técnicas necessárias para realizar tais atividades. 

 

• Quais são os aspectos étnicos do povo Pankararu?

        “Primeiro tem a identidade e a história não é da própria etnia por exemplo Pankararu ele tem as suas ações do dia a dia é que vai dizer a sua etnia, por exemplo a sua dança, o seu canto, o praiá, o flechamento do Umbu, e a  própria história do Pankararu desde a colonização, então é uma etnia que se fortalece na sua própria Cultura, no seu próprio jeito de ser, na sua própria história e a sua ligação com os seus ancestrais, então eu acho que esses aspectos étnicos vem a partir do fortalecimento da identidade Pankararu danças das pinturas e  das tradições do povo Pankararu.”

            A etnia do povo Pankararu é extremamente rica e se manifesta na música, dança, arte plumária, cestaria, cerâmica, tecelagem e pintura corporal. O uso das cores e de certos materiais estão relacionados aos ritos de passagem, celebrações agrícolas e do cotidiano.


• Qual é a origem do nome para Pankararu?

O nome Pankararu surge de outros nomes já conhecidos, consoante a Cleonice Pankararu da aldeia Cinta Vermelha de Jundiba, “ os mais velhos contam que surgiu de outros nomes de indígenas mais antigos, que inclusive já foram extintos". Nomes como Bracaru, Pancare Pankararu fazem referências a serras de 4 pontas, provenientes das características naturais da região onde é localizada a aldeia mãe. Cleonice acrescenta “ tem quatro serras com grutas bem antigas que tem história, tem pinturas rupestres, que o povo diz que são a morada dos Encantados”. Sendo essa a origem do nome Pankararu, tendo forte ligação com as terras da comunidade.

 

• A Figura de liderança da Aldeia é composta por homens ou por mulheres ou depende?

      


A liderança da Aldeia pode ser composta tanto por homens quanto mulheres, sendo critérios de escolha o compromisso, tradição e empenho da pessoa. Geralmente o escolhido é por laço sanguíneo, mas pode acontecer da pessoa não querer seguir com a tradição, ou não possuir a capacidade de liderança e compromisso. Dessa forma, é escolhido outra pessoa que tenha as características necessárias para ser líder da aldeia.

 

• Como foi o processo migratório para o Vale do Jequitinhonha?

     Os povos Pankararu são originalmente do estado de Pernambuco, no período do século XX migraram para diferentes regiões do país. A busca por novos territórios foi ocasionada pela construção da hidrelétrica de Itaparica no Rio São Francisco, provocando forte seca na região, além da intensa perseguição indígena na ditadura militar. Nesse período foi construído na região do Vale do Jequitinhonha um presídio destinado a liderança de movimentos indígenas. O grupo familiar de Eugênio Cardoso da Silva e Benvinda Vieira migraram de Pernambuco em busca de Antônio Ventania Vieira, pai de Benvinda. A filha de Benvinda e Eugênio, Cleonice Pataxó, conta em seu relato “Foi no período da ditadura militar quando o meu avô veio para Minas Gerais como preso, [..] aqui em Minas Gerais houve uma construção de presídios indígenas que prendia indígena de todo país que se que se destacava como liderança na luta pela terra”. Ademais, acrescenta que o território dos povos Krenak foi transformado em presídio, sendo o local onde “seu” Antônio ficou. Com o fim da ditadura militar algumas lideranças indígenas conseguiram voltar ao seu território de origem, muitos morreram no processo, outros como os Krenak conseguiram o direito à terra, destacando a intensa luta por direitos nesse período. A família de Benvinda formou uma aldeia na fazenda Guarani, anteriormente utilizada pelo exército para treinamento militar e aprisionamento de indígenas, morando na localidade por bastante tempo. Posteriormente conseguiram uma terra própria, segundo Cleonice “ Nós participamos de uma Romaria chamada a Romaria das águas aqui em Virgem da Lapa, nós conhecemos Don Enzo, um bispo. Então ele conheceu minha mãe, falou que a igreja tem uma dívida muito grande com os povos indígenas, que a igreja ela tinha de alguma forma compensar o sofrimento dos povos indígenas”, em seguida conta a atitude de Benvinda, “minha mãe falou, olha então eu estou precisando de um pedaço de terra para minha família, que nós estamos sem terras, o território onde a gente morava já tava muito cheio e precisava de mais espaço para trabalhar”. Dessa forma, foi doado pela igreja um pedaço de terra na região Araçuaí para a família de Eugênio, tornando possível a construção da aldeia Cinta Vermelha de Jundiba, onde os povos Pataxó e Pankararu vivem em harmonia.  

 

• Quantas pessoas vivem na aldeia e a população aumentou após a Constituição de 88?

          A Constituição Federativa do Brasil de 1988 assegurou aos povos indígenas a sua organização social, costumes, línguas e tradições. Dessa forma, com o direito à terra, muitos grupos indígenas que viviam migrando entre regiões, fugindo da repressão do Estado, puderam conquistar seu território de origem. Integrante da aldeia Cinta Vermelha de Jundiba, Cleonice Pankararu relata que “A Constituição de 88 foi muito importante porque garantiu dois artigos importantes para a luta dos povos indígenas até hoje. A partir daí várias aldeias foram formados”, posteriormente enfatiza “Mas não é assim, o pessoal não adquiriu o território assim com facilidade, tem que ter muita luta inclusive, várias lideranças são assassinadas e perseguidas”. A Constituição coloca as terras indígenas como de “natureza originária”, ou seja, já existiam antes da formação do Estado, existindo independentemente de qualquer reconhecimento oficial.  Ademais, foi visualizado bastante progresso na luta indígena a partir de 1988, Cleonice comenta “Várias aldeias foram construídas, a população cresceu por exemplo, quando nós viemos para cá  tinha apenas três famílias, agora já somos quase dez famílias”. De acordo o Sistema de Informações da Atenção à Saúde Indígena, SIASI, a população Pankararu no de 2014 era de 8184 indivíduos.  Entretanto, mesmo com direitos reconhecidos, a luta indígena encontra muitos obstáculos para conquistar sua emancipação, constantemente são perseguidos ou mortos por latifundiários, além de políticas governamentais que dificultam o reconhecimento de seus territórios.

 


    Segundo Cleonice Pankararu, seu povo tem forte influência do catolicismo e de religiões de matrizes africanas. “O povo Pankararu foi catequizado         por padres da igreja católica [...] eles foram obrigados a seguir o cristianismo. Os Pankararus foram agrupados pelos padres em um lugar do vale do são Francisco, e junto com os indígenas o local recebeu muitos negros que fugiam e se refugiavam na aldeia”. Isso sucedeu-se no período colonial. No decorrer do tempo o contato com os escravos fugidos e com a catequização aconteceu o que chamamos de sincretismo religioso. Isso pode ser identificado nos rituais, nos cantos e na fé dos devotos da comunidade.

Os principais rituais do povo Pankararu são feitos no início do ano, juntamente com o período das chuvas e da produção do fruto umbú, fruto sagrado para esse povo. “ Nos temos um ritual que é o que garante a identidade do povo Pankararu [...] a partir do umbu é que se faz o ritual, é o que vai manter os laços com a ancestralidade do povo.”

Durante quatro finais de semana acontecem uma série de rituais com as entidades chamadas de "Praiá". Esses rituais são importantes na preservação da cultura devido ao retorno temporário das pessoas que emigraram da aldeia mãe para outras aldeias.

Os Praiás são entidades que foram criados juntamente com a natureza. Eles são protetores da mesma e atuam como guias dos seres humanos. “ A partir do momento que a grande Santsé, a grande mãe natureza criou o universo surgiu também os nossos protetores, os nossos encantados. Eles protegem, orientam e encaminham. E se ainda existe o povo Pankararu desde a invasão de 1500 foi pela proteção desses encantados. E ai segue essa relação com a ancestralidade, com esses outros seres que habitam outro mundo diferente”

Nos dias atuais o contato com estrangeiros (pessoas de fora da aldeia) é muito diferente da época da colonização mas ainda assim mantendo certa distância de pessoas que podem prejudicar a comunidade.  "O contato com pessoas estrangeiras e amigável, mas com restrições. Conhecendo bem as pessoas que não possam trazer prejuízo pra comunidade respeitando e exigindo respeito." Palavras de Cleonice Pankararu.

Ao ser perguntada sobre a existência de programas governamentais que possam ajudar com os problemas da comunidade Cleonice disse "Não existem programas do governo que incidem em nossa comunidade, mas tem as universidades  ( universidade de Washington, de Toronto) ajudando no intercâmbio cultural apoio na luta indígena em busca dos direitos. E divulgação dos crimes ambientais que afetam as aldeias."



As invasões das terras indígenas são problemas recorrentes enfrentados pelas diversas comunidades indígenas. Quem invade as Terras Indígenas? Suas terras são invadidas por garimpeiros, pescadores, caçadores, posseiros, fazendeiros, empresas madeireiras... Outras terras são cortadas por estradas, ferrovias, linhas de transmissão de energia ou têm partes inundadas por usinas hidrelétricas. Segundo Cleonice as invasões nunca pararam e os povos indígenas continuam a lutar por suas terras. "Desde 1500 a invasão nunca parou, os povos indígenas nunca deixaram de resistir pelo seu território, já que somos povos nativos e é um direito nosso. Apesar das dificuldades  com o cumprimento da lei e da justiça nós lidamos com isso denunciando os invasores as entidades públicas ( FUNAI , ministério público) e quando não tem respostas os próprios indígenas se organizam e tentam retomar seu território. O que muitas vezes resulta na perseguição e morte de lideranças." Segundo o site Poder 360, as invasões a terras indígenas aumentaram 137% em 2 anos de governo do presidente Jair Bolsonaro. Além disso, o número de assassinatos de indígenas teve alta de 61% de 2019 a 2020.


Discentes: Gabriel Ferreira, Gabriel Guimarães, Lana Jardim, Lara Letícia, Nehewane Pankararu, Pedro Augusto de Oliveira.

        


  Referências bibliográficas 


Legenda da Imagem 1Aldeia Cinta vermelha Jundiba. (Foto autoral).

Legenda da Imagem 2Aldeia brejo dos padres - PE. (Foto autoral).

Legenda da Imagem 3Anciã Pankararu. Disponível em: https://www.facebook.com/povopankararu/

Legenda da Imagem 4Aldeia brejo dos padres - PE. (Foto autoral).

Legenda da Imagem 5Território Pankararu - PE. Disponível em: https://www.facebook.com/povopankararu


https://pib.socioambiental.org/pt/Quadro_Geral_dos_Povos


https://www.cedefes.org.br/povos-indigenas-destaque/


https://www.poder360.com.br/brasil/invasao-a-terras-indigenas-teve-alta-de-137-em-2-anos-de-governo-bolsonaro/


https://mirim.org/pt-br/como-vivem/aprender


https://www.todamateria.com.br/indios-brasileiros/amp/