• A origem dos povos Pankararu:
Para
muitas pessoas é um mito de origem, mas para os povos Pankararu é uma história
de criação. “Meu povo surgiu a partir do leito do rio São Francisco, esse rio é
de extrema importância para nós, porquê é lá que nós acreditamos que existe a
cachoeira Encantada que fica no médio de São Francisco, onde fica as cachoeiras
de Paulo Afonso que hoje se transformou numa grande hidrelétrica”, diz a entrevistada
Cleonice Maria da Silva atual habitante da aldeia Pankararu do Vale do
Jequitinhonha. Já a segunda história (mito de origem) é que a lagarta se
transformou no ser humano.
• Quais motivos que
influenciaram a migração dos povos Pankararu:
O
primeiro motivo em questão é a invasão dos territórios, pois com a chegada dos
colonizadores os povos da região do médio São Francisco foram expulsos de sua
terra, não apenas os povos Pankararu, mas também outros povos que habitavam a
região. Nesse perÃodo ainda não havia a conscientização de que o indÃgena tinha
direito de seus territórios. E por isso quando houve essa perda esses povos
migraram para várias regiões do paÃs.
• Quais são as tradições que
os povos Pankararu estabeleceram ao longo do tempo:
• Como funciona a organização
social do povo Pankararu na aldeia?
“As mulheres tem uma atividade própria os homens também, mas um ajuda o outro, nós temos as parteiras nós temos as benzedeiras nós temos os caciques e os pajeiros. Cada famÃlia é formada em grupos, então sempre tem um grupo ali de 15-20 famÃlias agrupados, mas que mantém convÃvio com outros grupos familiares é tipo um clã, fazemos trabalho comunitário, temos que respeitar o espaço do outro então nós temos respeitar o espaço do Pajé do benzedor da curandeira tem que respeitar os mais velhos, que são os nossos conselheiros as crianças também tem que ser respeitadas tem que ser ensinadas então aà essa organização.”
A organização social dos Pankararu caracteriza-se por famÃlias extensas com base na filiação cognática. Não há regra de residência preestabelecida, mas é comum a residência bilocal, o que caracteriza os núcleos populacionais que residem em núcleos familiares, sendo os de maior concentração familiar a Cacaria, o Enjeitado e a Lagoa, sendo que cada um destes resguarda certa distintividade em relação ao outro pela consanguinidade. Apesar de considerarem o duplo parentesco, cada famÃlia recebe a nomeação de um ancestral que crê ser originário da Serra Negra. São eles Amanso, Limeira, Cacheado, Rosa e Mergeli. A partir do quadro de genealogia, observamos que até os últimos 20 anos, havia uma predominância no matrimônio entre primos cruzados.
• Como
são transmitidos os costumes, valores e o conhecimento indÃgena para as novas
gerações?
• Quais
são os aspectos étnicos do povo Pankararu?
“Primeiro tem a identidade e a história não é da própria etnia por exemplo Pankararu ele tem as suas ações do dia a dia é que vai dizer a sua etnia, por exemplo a sua dança, o seu canto, o praiá, o flechamento do Umbu, e a própria história do Pankararu desde a colonização, então é uma etnia que se fortalece na sua própria Cultura, no seu próprio jeito de ser, na sua própria história e a sua ligação com os seus ancestrais, então eu acho que esses aspectos étnicos vem a partir do fortalecimento da identidade Pankararu danças das pinturas e das tradições do povo Pankararu.”
A etnia do povo Pankararu é
extremamente rica e se manifesta na música, dança, arte plumária, cestaria,
cerâmica, tecelagem e pintura corporal. O uso das cores e de certos materiais
estão relacionados aos ritos de passagem, celebrações agrÃcolas e do cotidiano.
• Qual
é a origem do nome para Pankararu?
O nome Pankararu surge de outros nomes já conhecidos,
consoante a Cleonice Pankararu da aldeia Cinta Vermelha de Jundiba, “ os mais
velhos contam que surgiu de outros nomes de indÃgenas mais antigos, que
inclusive já foram extintos". Nomes como Bracaru, Pancare Pankararu fazem
referências a serras de 4 pontas, provenientes das caracterÃsticas naturais da
região onde é localizada a aldeia mãe. Cleonice acrescenta “ tem quatro serras
com grutas bem antigas que tem história, tem pinturas rupestres, que o povo diz
que são a morada dos Encantados”. Sendo essa a origem do nome Pankararu, tendo
forte ligação com as terras da comunidade.
• A
Figura de liderança da Aldeia é composta por homens ou por mulheres ou depende?
A liderança da Aldeia pode ser composta tanto por homens quanto mulheres, sendo critérios de escolha o compromisso, tradição e empenho da pessoa. Geralmente o escolhido é por laço sanguÃneo, mas pode acontecer da pessoa não querer seguir com a tradição, ou não possuir a capacidade de liderança e compromisso. Dessa forma, é escolhido outra pessoa que tenha as caracterÃsticas necessárias para ser lÃder da aldeia.
• Como
foi o processo migratório para o Vale do Jequitinhonha?
Os povos Pankararu são originalmente do
estado de Pernambuco, no perÃodo do século XX migraram para diferentes regiões
do paÃs. A busca por novos territórios foi ocasionada pela construção da
hidrelétrica de Itaparica no Rio São Francisco, provocando forte seca na
região, além da intensa perseguição indÃgena na ditadura militar. Nesse perÃodo
foi construÃdo na região do Vale do Jequitinhonha um presÃdio destinado a
liderança de movimentos indÃgenas. O grupo familiar de Eugênio Cardoso da Silva
e Benvinda Vieira migraram de Pernambuco em busca de Antônio Ventania Vieira,
pai de Benvinda. A filha de Benvinda e Eugênio, Cleonice Pataxó, conta em seu
relato “Foi no perÃodo da ditadura militar quando o meu avô veio para Minas
Gerais como preso, [..] aqui em Minas Gerais houve uma construção de presÃdios
indÃgenas que prendia indÃgena de todo paÃs que se que se destacava como
liderança na luta pela terra”. Ademais, acrescenta que o território dos povos
Krenak foi transformado em presÃdio, sendo o local onde “seu” Antônio ficou.
Com o fim da ditadura militar algumas lideranças indÃgenas conseguiram voltar
ao seu território de origem, muitos morreram no processo, outros como os Krenak
conseguiram o direito à terra, destacando a intensa luta por direitos nesse
perÃodo. A famÃlia de Benvinda formou uma aldeia na fazenda Guarani,
anteriormente utilizada pelo exército para treinamento militar e aprisionamento
de indÃgenas, morando na localidade por bastante tempo. Posteriormente conseguiram
uma terra própria, segundo Cleonice “ Nós participamos de uma Romaria chamada a
Romaria das águas aqui em Virgem da Lapa, nós conhecemos Don Enzo, um bispo.
Então ele conheceu minha mãe, falou que a igreja tem uma dÃvida muito grande
com os povos indÃgenas, que a igreja ela tinha de alguma forma compensar o
sofrimento dos povos indÃgenas”, em seguida conta a atitude de Benvinda, “minha
mãe falou, olha então eu estou precisando de um pedaço de terra para minha
famÃlia, que nós estamos sem terras, o território onde a gente morava já tava
muito cheio e precisava de mais espaço para trabalhar”. Dessa forma, foi doado
pela igreja um pedaço de terra na região Araçuaà para a famÃlia de Eugênio,
tornando possÃvel a construção da aldeia Cinta Vermelha de Jundiba, onde os
povos Pataxó e Pankararu vivem em harmonia.
• Quantas pessoas vivem na aldeia e a população aumentou após a Constituição de 88?
A Constituição Federativa do Brasil
de 1988 assegurou aos povos indÃgenas a sua organização social, costumes,
lÃnguas e tradições. Dessa forma, com o direito à terra, muitos grupos
indÃgenas que viviam migrando entre regiões, fugindo da repressão do Estado,
puderam conquistar seu território de origem. Integrante da aldeia Cinta
Vermelha de Jundiba, Cleonice Pankararu relata que “A Constituição de 88 foi
muito importante porque garantiu dois artigos importantes para a luta dos povos
indÃgenas até hoje. A partir daà várias aldeias foram formados”, posteriormente
enfatiza “Mas não é assim, o pessoal não adquiriu o território assim com
facilidade, tem que ter muita luta inclusive, várias lideranças são
assassinadas e perseguidas”. A Constituição coloca as terras indÃgenas como de
“natureza originária”, ou seja, já existiam antes da formação do Estado, existindo
independentemente de qualquer reconhecimento oficial. Ademais, foi visualizado bastante progresso
na luta indÃgena a partir de 1988, Cleonice comenta “Várias aldeias foram
construÃdas, a população cresceu por exemplo, quando nós viemos para cá tinha apenas três famÃlias, agora já somos
quase dez famÃlias”. De acordo o Sistema de Informações da Atenção à Saúde
IndÃgena, SIASI, a população Pankararu no de 2014 era de 8184 indivÃduos. Entretanto, mesmo com direitos reconhecidos,
a luta indÃgena encontra muitos obstáculos para conquistar sua emancipação,
constantemente são perseguidos ou mortos por latifundiários, além de polÃticas
governamentais que dificultam o reconhecimento de seus territórios.
Segundo Cleonice Pankararu, seu povo tem forte influência do catolicismo e de religiões de matrizes africanas. “O povo Pankararu foi catequizado por padres da igreja católica [...] eles foram obrigados a seguir o cristianismo. Os Pankararus foram agrupados pelos padres em um lugar do vale do são Francisco, e junto com os indÃgenas o local recebeu muitos negros que fugiam e se refugiavam na aldeia”. Isso sucedeu-se no perÃodo colonial. No decorrer do tempo o contato com os escravos fugidos e com a catequização aconteceu o que chamamos de sincretismo religioso. Isso pode ser identificado nos rituais, nos cantos e na fé dos devotos da comunidade.
Os principais rituais do povo Pankararu são feitos no
inÃcio do ano, juntamente com o perÃodo das chuvas e da produção do fruto umbú,
fruto sagrado para esse povo. “ Nos temos um ritual que é o que garante a
identidade do povo Pankararu [...] a partir do umbu é que se faz o ritual, é o
que vai manter os laços com a ancestralidade do povo.”
Durante quatro finais de semana acontecem uma série de
rituais com as entidades chamadas de "Praiá". Esses rituais são
importantes na preservação da cultura devido ao retorno temporário das pessoas
que emigraram da aldeia mãe para outras aldeias.
Os Praiás são entidades que foram criados juntamente com
a natureza. Eles são protetores da mesma e atuam como guias dos seres humanos.
“ A partir do momento que a grande Santsé, a grande mãe natureza criou o
universo surgiu também os nossos protetores, os nossos encantados. Eles
protegem, orientam e encaminham. E se ainda existe o povo Pankararu desde a
invasão de 1500 foi pela proteção desses encantados. E ai segue essa relação
com a ancestralidade, com esses outros seres que habitam outro mundo diferente”
Nos dias atuais o contato com estrangeiros (pessoas de
fora da aldeia) é muito diferente da época da colonização mas ainda assim
mantendo certa distância de pessoas que podem prejudicar a comunidade. "O contato com pessoas estrangeiras e
amigável, mas com restrições. Conhecendo bem as pessoas que não possam trazer
prejuÃzo pra comunidade respeitando e exigindo respeito." Palavras de
Cleonice Pankararu.
Ao ser perguntada sobre a existência de programas
governamentais que possam ajudar com os problemas da comunidade Cleonice disse
"Não existem programas do governo que incidem em nossa comunidade, mas tem
as universidades ( universidade de
Washington, de Toronto) ajudando no intercâmbio cultural apoio na luta indÃgena
em busca dos direitos. E divulgação dos crimes ambientais que afetam as
aldeias."
As invasões das terras indÃgenas são problemas recorrentes enfrentados pelas diversas comunidades indÃgenas. Quem invade as Terras IndÃgenas? Suas terras são invadidas por garimpeiros, pescadores, caçadores, posseiros, fazendeiros, empresas madeireiras... Outras terras são cortadas por estradas, ferrovias, linhas de transmissão de energia ou têm partes inundadas por usinas hidrelétricas. Segundo Cleonice as invasões nunca pararam e os povos indÃgenas continuam a lutar por suas terras. "Desde 1500 a invasão nunca parou, os povos indÃgenas nunca deixaram de resistir pelo seu território, já que somos povos nativos e é um direito nosso. Apesar das dificuldades com o cumprimento da lei e da justiça nós lidamos com isso denunciando os invasores as entidades públicas ( FUNAI , ministério público) e quando não tem respostas os próprios indÃgenas se organizam e tentam retomar seu território. O que muitas vezes resulta na perseguição e morte de lideranças." Segundo o site Poder 360, as invasões a terras indÃgenas aumentaram 137% em 2 anos de governo do presidente Jair Bolsonaro. Além disso, o número de assassinatos de indÃgenas teve alta de 61% de 2019 a 2020.
Discentes: Gabriel Ferreira, Gabriel Guimarães, Lana Jardim, Lara LetÃcia, Nehewane Pankararu, Pedro Augusto de Oliveira.
Referências bibliográficas
Legenda da Imagem 1: Aldeia Cinta vermelha Jundiba. (Foto autoral).
Legenda da Imagem 2: Aldeia brejo dos padres - PE. (Foto autoral).
Legenda da Imagem 3: Anciã Pankararu. DisponÃvel em: https://www.facebook.com/povopankararu/
Legenda da Imagem 4: Aldeia brejo dos padres - PE. (Foto autoral).
Legenda da Imagem 5: Território Pankararu - PE. DisponÃvel em: https://www.facebook.com/povopankararu
https://pib.socioambiental.org/pt/Quadro_Geral_dos_Povos
https://www.cedefes.org.br/povos-indigenas-destaque/
https://www.poder360.com.br/brasil/invasao-a-terras-indigenas-teve-alta-de-137-em-2-anos-de-governo-bolsonaro/
https://mirim.org/pt-br/como-vivem/aprender
https://www.todamateria.com.br/indios-brasileiros/amp/